Editorial: |
A entrada num novo milénio, quer o mesmo já tenha ocorrido no inicio deste ano ou só venha a acontecer com a entrada no próximo, a par de outros sentimentos como o do receio do fim do mundo, é comummente sentida como uma nova era, uma esperança de surgimento de uma humanidade mais humana, mais justa, onde reinará entre os homens uma paz autêntica, baseada na compreensão do outro, e não uma paz aparente, suportada por critérios de força, de conveniência ou de comodismo, esperança esta que as agressões e os tumultos recentes se vão incumbindo de atenuar, ou mesmo extinguir.
É possível, contudo, esquecermos que esta mudança tem de começar em nós próprios, na forma de perspectivarmos o mundo, no modo de contribuirmos a que o mesmo melhore.
Vem isto a propósito de sabermos se os critérios que vimos utilizando e continuamos a utilizar constituem os contributos mais adequados à consecução desta melhoria por que ansiamos ou se nos continuamos a perder em concepções mais ou menos narcísicas, que têm muito mais a ver com o ter do que com o ser.
Estamos, por exemplo, muito preocupados com o facto de, em função da aplicação do nº 2, do Artigo 4'-, da Lei nº 30-C/2000. de 29/12, que cativa as instituições do Ministério da Educação 5% das verbas orçamentadas para o ano de 2001, termos de prescindir de uns milhares de contos dos nossos já paupérrimos orçamentos o que, sem dúvida, é justo motivo da nossa preocupação.
Mas será que não existem outras preocupações mais basilares, ligadas à própria missão das escolas superiores de enfermagem que, certamente por adormecimento, ou por outros motivos, não têm vindo a ser levantadas?
Apenas a título de exemplo, avançamos com dois tipos de questões:
- Em função do novo enquadramento legal, cuja elaboração nos é estranha, a partir do ano lectivo de 1999/2000, ou seja, há três anos, deixámos de poder formar enfermeiros especialistas.
Por outro lado, a Resolução do Conselho de Ministros nº140/98, de 04/12, que veio definir um conjunto de medidas para o desenvolvimento do ensino na área da saúde, e o Decreto-Lei nº353/99, de 03/09, que fixa as regras gerais a que está subordinado o ensino de enfermagem no âmbito do ensino superior politécnico, vieram definir um novo modelo de formação em enfermagem contemplando a existência de um curso de licenciatura em Enfermagem, num só ciclo deformação, com a duração de quatros anos curriculares, e cursos de pós-licenciatura de especialização em Enfermagem, com a duração de dois ou três e excepcionalmente de quatro semestres curriculares, tendo aquela licenciatura iniciado o seu
funcionamento logo nesse ano lectivo (1999/2000) mas não se podendo iniciar, até hoje. estes cursos de pós-licenciatura por ainda não ler sido publicada uma portaria regulamentadora dos mesmos. Até que ponto é que esta impossibilidade de formação de especialistas não representa uma grave perda de qualidade na prestação de cuidados de saúde às populações? Em que medida é que esta não formação irá gerar, a curto prazo, rupturas a nível dos serviços de saúde? Será que as Escolas não virão a ser responsabilizadas e, mais tarde, obrigadas a um acréscimo de formação para suprir este interregno?
- Com a integração do ensino superior de enfermagem no ensino superior politécnico, com base no Decreto-Lei nº480/88, de 23/12, e da reconversão das escolas de enfermagem oficiais em escolas superiores de enfermagem, verificou-se: a extinção de um nível superior de formação que era nosso quase desde as nossas origens; o nivelamento no nosso modelo de formação que, na nossa óptica, ocorreu pela base; a impossibilidade de as escolas superiores de enfermagem poderem formar enfermeiros cujo grau académico vá para além do de licenciado.
Até que ponto é que não deveriam ter sido contempladas as reais capacidades e missão de cada Escola, valorizando as suas especificidades e integrando algumas no ensino universitário? Quais os principais reflexos negativos para o nosso modelo de formação? Será que não deveremos reivindicar a possibilidade de formar, pelo menos, mestres, tendo em conta que os nossos docentes não podem fazer, a este nível, a formação que lhes interessa e as escolas não dispõem de mestres e de doutores com o tipo de formação que lhes convinha para poderem evoluir adequadamente?
Que cada um dos leitores, interiorize esta mensagem de forma desapaixonada e visando o interesse global da comunidade, da saúde e da Enfermagem, são os nossos votos.
Aníbal Custódio dos Santos
O Director
|