Editorial: |
De acordo com o compromisso anunciado no Editorial do número anterior, na elaboração desta revista demos prioridade às propostas de artigos versando a problemática da saúde e assistência à pessoa idosa. Mas, como se pode verificar, o número de artigos que publicamos sobre esta temática não é tão vasto quanto seria de desejar.
A principal razão desta escassez prende-se com a quantidade reduzida de propostas apresentadas para apreciação pela Comissão Cientifica, extensiva às demais áreas e formas de publicação para as quais a REFERÊNCIA se vocaciona, de modo a constituir um espaço de análise, discussão e divulgação de saberes e experiências relevantes para a Enfermagem.
Dialogando com potenciais autores, fica a impressão de que um dos motivos, porventura o mais forte, para não apresentarem propostas de artigos para publicação resulta daquilo a que se poderá chamar "aversão à crítica". É por isso que me atrevo a ocupar este espaço com uma reflexão:
EM DEFESA DA CRÍTICA
Uma revista científica é um espaço comunitário de veiculação de ideias, opiniões e saberes. Naturalmente, pretende ser um espaço de discussão, de confronto criativo e construtivo de perspectivas e de experiências.
Apresentar uma proposta de publicação é oferecer à comunidade uma obra que até então só existe para o autor. É pela crítica que se processa a apropriação social dessa obra. A apreciação pela Comissão Cientifica da Revista, a cujos membros, em primeiro lugar, cabe esse papel, constitui o primeiro acto dessa apropriação, e a sua aceitação para publicação representa uma fiança institucional e plural à comunidade de leitores, a quem caberá a última palavra.
Isto parece óbvio e em princípio, não levanta problemas.
A polémica surge quando se considera os efeitos da crítica: se é uma "critica construtiva" ou se é uma "critica destrutiva". Não se pode negar que toda a crítica é desconstrutiva, no sentido em que lhe cabe fazer uma apreciação analítica criteriosa de uma obra já construída, expondo imperfeições de forma e/ou fragilidades de conteúdo (evidentemente, pode-se pôr em causa a validade dos critérios e o rigor da sua aplicação!). É aqui que se encontra o busílis da questão: quanto mais inovadora é uma obra, maior o risco de discrepância com os critérios objectivos e/ou subjectivos de quem a aprecia e, é claro, qualquer apreciação critica não pode ser reticente, correndo o risco de abjurar do seu papel.
Ora, considerando que as pessoas, de algum modo, se vêem projectadas nas suas realizações, compreende-se a natural susceptibilidade à crítica, cujo carácter desconstrutivo e explícito é inevitavelmente gerador de algum desconforto. É a maneira como o autor gere este desconforto que se torna determinante: pode motivá-lo a rever (não quero dizer refazer, obrigatoriamente) a sua obra—efeito construtivo — ou a pô-la de parte ou a protelar o esforço criativo — efeito destrutivo.
Deste modo, em última análise, é o autor que transforma a crítica em construtiva ou destrutiva. A obra é sua, e se verdadeiramente acredita no seu valor, vai para a frente, apresenta-a a julgamento, aperfeiçoa-a, se considerar necessário; ou desiste, podendo justificar-se com a critica.
Em suma, a crítica deve ser entendida como uma exigência do desenvolvimento científico, num esforço continuado de aperfeiçoamento da obra humana, enquanto construção colectiva (nesse sentido, é sempre construtiva). Só quem não apresenta trabalho poderá estar livre da crítica e, sem crítica, qualquer obra não passa de um objecto de idiolatria; não criticar traduz a incapacidade de apropriação da oferta, que é a apresentação de uma obra. ou a adopção de uma atitude de conformismo (ingénuo ou estratégico) que não se coaduna com os princípios da uma comunidade científica a que reivindicamos pertencer.
Manuel Gonçalves Henriques Gameiro
Coordenador da Comissão Redactorial
|