Editorial: |
A comunicação e a mudança são aspetos inerentes à nossa existência quotidiana. Tanto nas nossas vidas pessoais como profissionais, temos de interagir com outras pessoas, dar conselhos, recomendações e opiniões; comprometemo-nos, cooperamos, gerimos relações complexas; talvez façamos role play de acordo com a nossa situação e as pessoas, os sistemas e as burocracias que nos rodeiam. Nestes contextos, a mudança também pode ser complexa, desafiadora e polémica, principalmente ao nível dos cuidados de saúde. A existência de várias agendas de diferentes setores significam, frequentemente, que devem ser identificadas soluções e estratégias criativas para alterar substancialmente a forma como os cuidados de saúde são prestados.
Atualmente, muitos países em várias regiões estão focados na translação da melhor evidência disponível para as políticas e a prática clínica. Até à data, a ênfase tem sido dada ao contexto clínico. Assim, a questão que se coloca muitas vezes é a razão pela qual existem fortes evidências sobre uma determinada intervenção ou tratamento e, no entanto, esta não é utilizada na prática. Iria sugerir que está a tornar-se cada vez mais importante questionar os outros setores envolvidos na resolução deste problema complexo (wicked problem). Porque é que as universidades e os institutos e centros de investigação não estão a realizar estudos mais direcionados para as necessidades das pessoas na prática clínica? Porque é que os governos estão a estabelecer prioridades ao nível da investigação que é realizada? Porque é que o setor do ensino não se centra mais nas abordagens multidisciplinares à translação da investigação, começando ao nível da licenciatura? Porque é que não há uma melhor e mais eficaz comunicação entre os setores da investigação, do ensino, da prática clínica e do governo? Esta abordagem setorial em silos mina a nossa capacidade coletiva de superar os impasses translacionais, uma vez que nenhum dos setores está a trabalhar em conjunto.
Além disso, um desafio que muitos enfrentam é o de dizer a verdade a quem detém o poder, o que acontece em qualquer estrutura organizacional, principalmente quando se trata de resolver problemas. Em 2008, John Camillus escreveu na Harvard Business Review que the wicked problems “ocorrem num contexto social; quanto maior a divergência entre as partes interessadas, mais complexo é o problema. É a complexidade social dos wicked problems tanto quanto as suas dificuldades técnicas que os tornam difíceis de gerir”. Muitas vezes, a solução passa pelo modo como as pessoas interagem entre si para criar entendimentos comuns sobre as questões em causa e cocriar soluções para esses problemas.
A translação bem-sucedida do conhecimento para as políticas e a prática clínica exige uma evolução social entre as redes de indivíduos que trabalham atualmente em silos (ao nível da investigação, ensino, governo e prática clínica). É necessária uma próxima geração de inovação para desembaraçar os vários núcleos deste wicked problem. Não são necessários mais modelos ou referenciais. O que se exige é engajamento humano. Planeamento Social. Comunicação.
A translação é intricadamente desorganizada, mas se conseguirmos compreender melhor o papel de cada um no processo, bem como o nosso próprio papel, acredito que seja um problema que seremos capazes de ultrapassar coletivamente. A orquestração do engajamento cocriativo (do setor empresarial) envolve todas as partes interessadas no processo de aquisição de conhecimentos e identificação de soluções em conjunto. Este tipo de plataformas de engajamento baseadas na experiência podem ter algo a oferecer à ciência da translação. Ela aproveita a inteligência coletiva de uma forma reflexiva, recíproca e interativa. Afinal, a translação é, em última análise, um esforço humano. Não há nenhuma tecnologia, programa ou recurso que consiga fazer isso por nós. É intrinsecamente imperfeita porque os seres humanos são imperfeitos e isso nunca vai mudar. Somos [muitas vezes] resistentes à mudança, somos emocionais, experienciamos por vezes conflitos de personalidade que têm impacto na nossa capacidade de trabalhar em conjunto de forma eficaz. A sociedade, o conhecimento, o discurso e o poder, todos desempenham aqui um papel.
Em última instância, poderemos nunca resolver o wicked problem da translação do conhecimento. Talvez seja um processo demasiadamente dinâmico para poder ser definido e sobrecarregado com regras rígidas ou diretrizes. É sim um processo fluido e imprevisível. A evidência altera-se e evolui ao longo do tempo e, por conseguinte, a translação é um ciclo contínuo no qual muitos, mas muitos atores desempenham um papel importante. Em vez de estar constantemente a tentar reconstituir, redefinir ou reenquadrar de forma discursiva a translação do conhecimento, semanticamente ou de outra forma, talvez tenha chegado o momento de assumir uma perspetiva foucaultiana em relação à translação, reconhecendo-a como discurso e, como tal, algo que deve ser abordado a diferentes níveis, com métodos diferentes. Assim, a pluralidade das instituições, setores e modos de translação não pode ser apreendida através de uma única teoria ou método.
Zoe Jordan, Ph.D.,
Professora Associada
Universidade of Adelaide, Australia
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